É preciso ficar atento à legislação tributária para evitar prejuízos e pendências com as autoridades fiscais brasileiras
Por: FERNANDO COLUCCI / STEFFANIA GONÇALVES DE CAMPOS SCOMPARIN
O número de brasileiros que estão deixando o Brasil de forma definitiva vem crescendo desde 2019, conforme demonstra o estudo conduzido pelo Ministério das Relações Exteriores relativo ao ano-base de 2022.
Em 2022, o número de brasileiros residindo no exterior chegou a 4,5 milhões. O estudo apontou ainda que a maior concentração de brasileiros residindo no exterior está nos Estados Unidos (45%), seguido de alguns países europeus, como Portugal, Reino Unido, Espanha, Alemanha e Itália (32%), e países da América do Sul, como Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia (14%).
Os motivos que justificam esses números são diversos, entre os quais a instabilidade econômica do país – acentuada após a pandemia de covid-19 –, o aumento da taxa de desemprego e a grande redução de investimentos nacionais e internacionais nos setores de engenharia e tecnologia.
Ainda em relação a 2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou um relatório informando que mais de 15 mil brasileiros apresentaram a Declaração de Saída Definitiva do País. Em 2023, a RFB informou que foram apresentadas 19,5 mil declarações de saída por residentes brasileiros – um aumento de 23% comparado com o ano anterior.
Na prática, porém, esses números podem ser ainda maiores, considerando que nem todos os brasileiros que saem fisicamente do país apresentam a declaração de saída às autoridades fiscais.
Sob a perspectiva legal, de acordo com a legislação brasileira, nacionalidade e residência fiscal são conceitos que não se confundem. O Brasil adota o critério da jurisdição de nascimento para atribuir a nacionalidade. Já a condição de residente fiscal no país dependerá da qualificação da pessoa física em um dos seguintes critérios:
• brasileiro que resida regularmente no Brasil;
• brasileiro que adquiriu a condição de não residente no Brasil e retorne ao país com ânimo definitivo na data da chegada;
• brasileiro que tenha se ausentado do Brasil em caráter temporário ou que se retirou em caráter permanente sem apresentar a Declaração de Saída Definitiva do País durante os primeiros 12 meses consecutivos de ausência;
• estrangeiro portador de visto permanente;
• estrangeiro portador de visto temporário para trabalhar com vínculo empregatício na data da chegada;
• estrangeiro portador de visto temporário até a data em que completar 184 dias, consecutivos ou não, em um período de até 12 meses; e
• estrangeiro portador de visto temporário até a data de obtenção do visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, em um período de até 12 meses.
A saída definitiva do Brasil, portanto, não implica perda da cidadania brasileira, assim como a cidadania brasileira não implica a situação de residente fiscal no país.
Saída definitiva do Brasil – Obrigações acessórias a apresentar na RFB
Sob a perspectiva tributária, os residentes fiscais no Brasil, sejam eles cidadãos brasileiros ou não, estão sujeitos à tributação em bases universais. Isso significa que os rendimentos e ganhos de capital obtidos por residentes fiscais no Brasil e exterior serão tributados no Brasil, independentemente da sua denominação, origem ou nacionalidade.
De acordo com os critérios para a atribuição da residência fiscal no Brasil descritos acima, na prática, a pessoa física que deixar o país sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País e a Declaração de Saída Definitiva do País na RFB será considerada residente fiscal no Brasil durante os primeiros 12 meses contados a partir de sua ausência do país.
Consequentemente, a simples saída física do Brasil, sem a apresentação das obrigações acessórias para as autoridades fiscais brasileiras, não implica obtenção da condição de não residente fiscal no Brasil. Caso o indivíduo obtenha rendimentos de fontes pagadoras do exterior, continuará sujeito à tributação no Brasil, ainda que esses rendimentos sejam tributados na jurisdição de origem.
Para evitar a dupla tributação de sua renda, portanto, o brasileiro que deixar definitivamente o país deverá apresentar, necessariamente, duas obrigações na Receita Federal do Brasil: a Comunicação de Saída Definitiva do País e a Declaração de Saída Definitiva do País.
Após o cumprimento dessas obrigações, a pessoa física poderá adquirir a condição de não residente fiscal no Brasil. Os procedimentos são os seguintes:
| COMUNICAÇÃO DE SAÍDA DEFINITIVA DO PAÍS | DECLARAÇÃO DE SAÍDA DEFINITIVA DO PAÍS |
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Prazo | A partir da data da saída definitiva (ou temporária) até o último dia do mês de fevereiro do ano-calendário subsequente. | Até o último dia útil do mês de abril do ano seguinte ao da saída. |
Forma de preenchimento | Diretamente no site da RFB. Os dependentes que se retirarem do Brasil na mesma data do titular da Comunicação de Saída Definitiva do País devem ser indicados nesse mesmo documento. | Por meio do programa da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). |
Imposto a pagar | Não há. | Eventual IRPF devido será apurado mediante a aplicação das alíquotas progressivas (7,5% a 27,5%), multiplicadas pelo número de meses em que a pessoa física tenha permanecido na condição de residente no Brasil no respectivo ano-calendário. |
Penalidades | Embora não haja imposição de multa pela não apresentação da Comunicação de Saída Definitiva do País, é obrigatória a entrega desse documento. | Multa de 1% ao mês-calendário ou fração de atraso, calculada sobre o total do IRPF devido apurado na declaração (valor mínimo de R$ 165,74; o valor máximo é equivalente a 20% do IRPF devido). |
Compensação do imposto pago no exterior com o imposto devido no Brasil e vice-versa
Não é incomum que um residente fiscal no Brasil tenha adquirido a mesma condição em outra jurisdição. Nesses casos, o contribuinte estará sujeito à tributação de seus rendimentos e ganhos no Brasil e na outra jurisdição (ou jurisdições).
O Brasil assinou acordos para evitar a dupla tributação com diversos países. Esses acordos devem ser considerados na avaliação dos impactos tributários decorrentes da condição de residente fiscal em mais de uma jurisdição.
Além disso, o Brasil firmou acordos de reciprocidade de tratamento para reconhecer a dedução do imposto de renda pago em outra jurisdição no imposto devido no Brasil e vice-versa.
Como previsto pelo Ato Declaratório SRF 28/00, por exemplo, o imposto pago nos Estados Unidos será compensável no Brasil e vice-versa, desde que observadas as regras e limitações impostas para tanto.
Embora a legislação não trate especificamente desse ponto, um dos requisitos para a compensação é a possibilidade de o residente fiscal no Brasil comprovar, por meio de documentação hábil, o efetivo pagamento do imposto no exterior.
Planejamento da estrutura patrimonial na fase pré-imigratória
A saída definitiva do país implica não apenas o cumprimento de obrigações acessórias perante as autoridades fiscais, mas a tomada de diversas decisões de cunho patrimonial.
De acordo com a legislação regulatória, indivíduos que realizem a saída definitiva do país não poderão manter suas contas bancárias usuais em instituições financeiras no Brasil. Por outro lado, não residentes podem ter conta de depósito no Brasil e/ou outras modalidades de conta oferecidas a não residentes por instituições autorizadas.
Não residentes fiscais também podem investir no Brasil por meio de dois regimes: o regime geral, estabelecido pela Lei 4.131/62, e o regime especial, regulamentado pela Resolução 4.373/14, publicada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Os investimentos realizados no regime geral estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda, da mesma forma que ocorre com os residentes fiscais no Brasil.
O regime especial, por outro lado, é o resultado de um incentivo do governo brasileiro ao investimento estrangeiro no mercado financeiro e de capitais.
Esse regime é oferecido aos não residentes que investem no Brasil conforme as regras estabelecidas pelo CMN. Ele prevê a isenção do imposto de renda sobre os ganhos de capital obtidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de mercado de futuros e assemelhados (além das operações com ouro e ativo financeiro fora de bolsa), desde que não sejam domiciliados em jurisdição com tributação favorecida.
A opção por esses regimes pode implicar repercussões tributárias à pessoa física que está no processo de saída definitiva do país, como a alienação, resgate ou liquidação de investimentos. Essas repercussões podem variar de acordo com a natureza dos bens ou direitos que passarão a ser investidos pelo indivíduo na condição de não residente fiscal.
Ao optar pela alienação, liquidação ou resgate de ativos ou investimentos mantidos no Brasil antes da saída definitiva, a pessoa física estará sujeita à tributação dos rendimentos ou ganhos obtidos de acordo com as regras tributárias aplicáveis a cada tipo de ativo.
A alienação de bens e direitos no Brasil, por exemplo, estará sujeita à apuração de ganho de capital tributável pelo imposto de renda em alíquotas progressivas de 15% a 22,5%. Essa regra também se aplica à alienação de ações fora do ambiente de bolsa. A alienação de ações em bolsa é isenta de imposto de renda, caso não supere o total de R$ 20 mil no mês.
Escolha da jurisdição de destino
A escolha da jurisdição de destino da pessoa física e de seus respectivos bens e direitos também faz parte do planejamento pré-imigratório e envolve a jurisdição de origem e de destino.
A pessoa física pode avaliar a possibilidade de transferir seu acervo patrimonial para jurisdições que tenham regimes tributários atrativos para não residentes. Trata-se de programas imigratórios que concedem residência fiscal ou cidadania mediante o cumprimento de certos requisitos, entre eles, a realização de determinados investimentos no país.
O trust é outra estrutura muito procurada por brasileiros que estão planejando a saída fiscal do país. A transferência do acervo patrimonial ao trust, assim como a atribuição de seus rendimentos aos beneficiários deve ser cuidadosamente avaliada no processo imigratório, com especial atenção aos impactos tributários para fins de imposto de renda e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD).
Outra alternativa para a estruturação de investimentos no exterior é a constituição de uma pessoa jurídica na jurisdição de destino ou em jurisdições que ofereçam alternativas para isso.
Entre as estruturas normalmente analisadas para internacionalizar investimentos estão a Private Investment Company (PIC), Limited Liability Company (LLC) e International Business Company (IBC) – as chamadas “sociedades offshore”.
Outra modalidade de investimento no exterior muito comum são os fundos de pensão, entre outros tipos de aposentadoria. O Brasil firmou acordos internacionais com outros países com o objetivo principal de garantir os direitos de seguridade social previstos nas legislações de outras jurisdições aos respectivos trabalhadores e dependentes legais, residentes ou em trânsito no país.
Como visto, a crescente saída de brasileiros do país vem impulsionando a transferência de capital para o exterior e a diversificação de investimentos em outras jurisdições. Para evitar prejuízos nesse processo, recomenda-se fortemente que a saída física do Brasil seja precedida por um planejamento pré-imigratório.
Também é preciso ficar atento à necessidade de entregar a Comunicação de Saída Definitiva do País e a Declaração de Saída Definitiva do País dentro dos prazos previstos pela legislação brasileira, especialmente para evitar a dupla tributação de rendimentos e eventuais pendências com as autoridades fiscais brasileiras.
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[1] Pela legislação brasileira, considera-se jurisdição com tributação favorecida, a jurisdição que não tribute a renda ou que a tribute pela alíquota máxima inferior a 20%, reduzida para 17% para os países, dependências e regimes que estejam alinhados com os padrões internacionais de transparência fiscal