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A polêmica cobrança de IR sobre os lucros das offshores

“A tributação automática dos lucros de offshores é incompatível com a Constituição Federal, com o Código Tributário Nacional e com os precedentes firmados pelo Supremo. Este é o primeiro ano em que as pessoas físicas residentes no Brasil devem declarar à Receita Federal seus investimentos no exterior, segundo as novas regras impostas pela Lei Federal nº 14.754/2023. A norma, aprovada com o discurso de promover justiça fiscal, trará impactos concretos e imediatos: muitos contribuintes passarão a pagar Imposto de Renda sobre rendimentos que, na prática, não existem.

 

A sistemática de tributação prevista na nova lei rompe com a lógica até então vigente. Antes, o investidor era tributado apenas quando os lucros das companhias offshore eram efetivamente creditados ou pagos. Agora, a legislação determina que os lucros apurados por essas companhias - ainda que não sejam pagos ou creditados ao investidor - devem ser oferecidos automaticamente à tributação anual, com alíquota de 15%.

 

Esse novo modelo de “tributação automática” levanta sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com a Constituição Federal e com os princípios que regem o sistema tributário brasileiro. Entendemos que a exigência criada pela Lei nº 14.754/2023 é indevida, por três razões centrais: (i) viola o regime de caixa, que é a base da tributação das pessoas físicas; (ii) desrespeita o conceito legal de disponibilidade da renda, previsto no Código Tributário Nacional; e (iii) afronta o princípio constitucional da capacidade contributiva. 

 

As pessoas físicas, como regra, apuram o Imposto de Renda com base no chamado regime de caixa. Isso significa que os rendimentos só são tributáveis quando efetivamente recebidos, conforme expressamente previsto no artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 9.250/1995 (“o imposto de que trata este artigo será calculado sobre os rendimentos efetivamente recebidos em cada mês”). É uma lógica simples: não se tributa expectativa, apenas realidade. 

 

A Lei nº 14.754/2023, no entanto, impõe à pessoa física o regime de competência, típico das pessoas jurídicas, que estabelece o recolhimento do Imposto de Renda sobre as receitas e rendimentos apurados, independentemente da sua realização em moeda.

 

A aplicação dos regimes de caixa e de competência foi debatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.588, no qual se consignou que o lucro da investida no exterior não precisaria ser efetivamente realizado para fins de tributação do Imposto de Renda da pessoa jurídica investidora.

 

Na hipótese, o STF analisou a constitucionalidade do artigo 74, parágrafo único, da Medida Provisória (MP) 2.158/2001, que previa a tributação dos rendimentos apurados por entidades controladas, independentemente da realização do lucro pelas pessoas jurídicas. Embora voltado às pessoas jurídicas, o caso serve como referência para a questão ora analisada, pois, em seu julgamento, o então ministro Nelson Jobim afirmou que, na tributação da pessoa física, deve imperar o regime de caixa, que exige o pagamento do imposto somente quando recebido o rendimento - não sendo aplicável o regime de competência. 

 

Outro ponto de tensão é a violação ao artigo 43 do Código Tributário Nacional, que define o fato gerador do Imposto de Renda como a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda. Em outras palavras, o tributo só pode incidir quando houver acréscimo patrimonial efetivo ou quando o contribuinte tiver um direito certo e exigível ao recebimento do valor.

 

No caso dos lucros apurados pelas companhias offshore, eles não se transferem automaticamente para o sócio ou controlador residente no Brasil. Sem deliberação da entidade sobre a destinação dos lucros, o investidor não tem direito algum sobre o recebimento dos valores - apenas uma expectativa. Essa distinção foi reconhecida pelo STF no RE 172.058, no qual se fixou que a apuração contábil do lucro não gera, por si só, disponibilidade jurídica para o acionista. 

 

A Lei nº 14.754/2023 desconsidera completamente esse entendimento e cria uma espécie de ficção tributária, em que se presume a existência de renda para justificar a cobrança do imposto. Ocorre que, sem disponibilidade, não há fato gerador - e, sem fato gerador, não há base legítima para a tributação.

 

Por fim, a exigência imposta pela Lei nº 14.754/2023 fere o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Esse princípio orienta que os tributos devem ser proporcionais à capacidade econômica do contribuinte, o que pressupõe a efetiva posse ou disponibilidade de recursos.

 

Ora, como pode o contribuinte ser obrigado a pagar imposto sobre lucros que não recebeu e que não sabe se receberá? A tributação de uma expectativa de renda, sem qualquer concretude, gera um cenário de descompasso entre obrigação e capacidade real de pagar. O tributo não pode ser exigido com base no que poderia ser, mas sim no que efetivamente é.

Não há dúvida de que o sistema tributário brasileiro precisa evoluir, combater abusos e promover maior justiça fiscal. No entanto, as soluções devem respeitar os fundamentos constitucionais do direito tributário, e não os atropelar. 

Não nos parece justo que o Estado antecipe a cobrança de tributos sobre valores que o contribuinte não recebeu, impondo-lhe um ônus desproporcional, baseado em lucros que podem nunca se materializar.

 

Enfim, a tributação automática dos lucros de offshores, instituída pela Lei nº 14.754/2023, é, ao nosso ver, incompatível com a Constituição Federal, com o Código Tributário Nacional e com os precedentes firmados pelo Supremo 

 

Tribunal Federal. Por isso, os contribuintes afetados devem avaliar a possibilidade de questionar judicialmente a exigência do Imposto de Renda, para não pagarem uma conta que se mostra absolutamente indevida.

 

Fonte de Pesquisa: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/a-polemica-cobranca-de-ir-sobre-os-lucros-das-offshores.ghtml

Acesso na página: 07/05/2025




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